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Observa a respiração

Nagarjuna, um dos maiores mestres iluminados de sempre, era monge e iogue, muito amado e respeitado por todos. Em sinal de apreço e devoção, uma rainha convidou-o a vir ao palácio real e pediu-lhe:

“Nagarjuna, gostava de ter a sua tigela de mendigo.”

A tijela de mendigo é a única posse de um monge, mas Nagarjuna não hesitou e ofereceu-a. Em troca da velha tijela de madeira, a rainha ofereceu-lhe uma tigela de ouro, incrustada de diamantes, dizendo:

“Por favor, guarda esta tijela. A tijela que é tua há anos e tem um pouco de ti vou colocá-la no meu templo e adorá-la. Alguém como tu merece possuir uma tigela preciosa como esta que mandei fazer especialmente. Por favor aceita-a.”

Se Nagarjuna fosse um monge comum, não aceitaria. Os monges não são supostos possuir coisas tão preciosas. Mas, para ele, um ser totalmente iluminado que via a verdadeira natureza da realidade, não havia qualquer diferença entre a madeira ou o ouro. Então aceitou.

Ao sair do palácio, um ladrão viu-o. Ele não podia acreditar nos seus olhos e pensou: “Um homem quase nu com uma coisa tão preciosa! Não deve ser difícil de roubar.” E seguiu-o.

Nagarjuna costumava dormir num antigo templo em ruínas – sem portas nem janelas. O ladrão ficou muito feliz: “Quando ele adormecer, levo a tigela.” E escondeu-se atrás de uma parede do lado de fora da porta.

Nagarjuna, conhecendo as suas intenções pensou: “Está ali um ladrão que quer a tijela, então por que esperar? O melhor é dar-lha para que se vá embora e eu possa dormir em paz!” E atirou a tigela para o lado de fora da porta.

Incrédulo, o ladrão pensou: “Como é possível que este homem tenha atirado fora uma coisa tão preciosa, assim, com esta facilidade! Ele sabe que estou aqui e foi de propósito para mim. Tenho de lhe agradecer.”

“Obrigada – disse ele. Tu és um ser raro, nem acredito no que estou a ver. E um grande desejo surgiu em mim. Estou a desperdiçar a minha vida a roubar quando existem pessoas como tu! Posso entrar e tocar os teus pés?”

Nagarjuna riu e disse: “Sim, foi por isso que atirei a tigela lá para fora – para que pudesses entrar.”

Fascinado, o ladrão percebeu que não se tratava de um homem comum e entrou. Aberto, recetivo, grato, e maravilhado, ele tocou os pés de Nagarjuna e, pela primeira vez na vida, sentiu a presença do divino. Então perguntou:

“Quantas vidas serão necessárias para eu me tornar como tu?”

“Quantas vidas?! – isso pode acontecer hoje, pode acontecer agora!”

“Deves estar a brincar. Como pode acontecer agora? Sou um ladrão, conhecido na cidade inteira. Sou tão hábil que nunca me prenderam, mas já roubei o tesouro real por três vezes. Tu não sabes porque não és de cá. Como posso ser transformado agora?”

“Se uma casa estiver nas trevas durante séculos e alguém trouxer uma vela, poderá a escuridão dizer: “estive aqui séculos, não saio só porque trouxeste uma vela.” Poderá a escuridão resistir? Fará alguma diferença se as trevas durarem um dia ou milhões de anos?”

O ladrão compreendeu o argumento: a escuridão não pode resistir à luz; quando a luz vem, a escuridão desaparece.

“Podes ter estado na escuridão durante milhões de vidas, isso não importa. Deixa-me dizer-te um segredo: podes acender uma vela dentro de ti.”

“E a minha profissão? Tenho que deixá-la?”

“Isso és tu que decides. Nem o que tu és ou a tua profissão interessam. Só te posso dizer o segredo de como acender uma luz dentro de ti. O resto depende de ti.”

“Mas todos os santos que eu vi sempre me disseram que tinha de parar de roubar e só depois podia ser iniciado”.

Nagarjuna riu-se:

“Deves ter ido ver ladrões, não santos. Eles não percebiam nada do assunto. Só tens de observar a respiração – o antigo método do Buda. Observas a respiração, o ar a entrar e a sair, nada mais. Fazes isto sempre que te lembrares. Quando vais roubar, quando entras na casa de alguém durante a noite, continuas a observar a respiração. Quando abres o cofre e vês os diamantes, continuas a observar a respiração. Faças o fizeres, não te esqueças de observar a respiração.”

“Isto parece simples. Nenhum código de conduta? Nenhuma qualidade necessária? Nenhuma outra exigência?”

“Absolutamente nada – observa apenas a respiração.”

Quinze dias depois o ladrão estava de volta, mas era um homem totalmente diferente. Ele caiu aos pés de Nagarjuna e disse:

“Armaste-me uma cilada e fizeste-o com tanta pinta que eu caí que nem um pato. Durante quinze dias tentei seguir os teus conselhos, mas é impossível. Se eu observar a respiração, não roubo. Se roubar, não consigo observar a respiração. Quando observo a respiração, fico tão silencioso, tão alerta, tão consciente, que os diamantes parecem seixos. Criaste-me um dilema. O que devo fazer?”

“Tu é que sabes! Faz o que quiseres. Se queres o silêncio, a paz, a felicidade que surgem quando observas a respiração, escolhe-os. Mas se achas que os diamantes, o ouro e a prata são mais valiosos, escolhe-os a eles. És tu que tens de decidir, quem sou eu para interferir na tua vida?”

“Não posso escolher ficar inconsciente de novo. Nunca conheci momentos assim antes. Aceita-me como um dos seus discípulos, por favor, inicia-me.”

Com um sorriso, Nagarjuna disse então: “Já te iniciei.”

Citado por Guru Khyentse Ozer e Ringu Tulku Rinpoche

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