Se há coisa de que o Sr. Ego precisa para se sentir vivo é a discriminação e o partidarismo. Já repararam como sempre nos identificamos com uns e demarcamos de outros?
No tempo em que o mundo não estava tão globalizado, os habitantes da aldeia mais próxima eram estrangeiros. O bairro vizinho era inimigo. Qualquer pessoa um pouco diferente era excluída.
Pensamos que hoje, em virtude de termos telemóveis, televisões, aviões e satélites, a nossa tolerância se deveria ter alargado proporcionalmente à rapidez e à facilidade das comunicações que nos dão a conhecer, muito mais de perto, outras realidades e outras formas de pensar. Mas não alargou.
Continuam a existir “os de cá” e “os de lá”, qualquer que seja a dimensão da nossa exclusão: clubista, partidarista, nacionalista ou racista – qualquer critério é susceptível de ser tomado como uma razão de exclusão, já que é disso que o ego vive.
Para haver demarcação tem de haver identificação com os que estão do mesmo lado que nós, “os de cá”, os que pertencem ao mesmo clube, classe social, cidade, país ou raça. Identificar-se com uns e demarcar-se dos outros é para o ego uma questão de sobrevivência.
O método Budista passa por reflectirmos sobre tudo que nos une a TODOS, sem discriminação, e não apenas àqueles que usam a mesma marca de sapatilhas.
Este processo é fundamentalmente diferente das estratégias do ego. Não se trata de uma identificação que nos aproxima de uns e distancia de outros, mas da compreensão da nossa fundamental igualdade e da desvalorização das diferenças.
Todas as religiões do mundo, usando diferentes argumentos, sempre afirmaram que somos irmãos. Podemos achar que se trata de uma bonita fórmula que pouco corresponde à realidade. Mas é mentira. Quando pensamos que temos 99,99% de genes comuns, quer sejamos de raças, continentes, religiões ou ideologias diferentes, isso significa que andamos a matar-nos uns aos outros desde há séculos e séculos com base em 0,01% de diferenças.
É reconfortante ver que a matemática confirma a religião.
…fez com que as palmas das mãos deles ficassem exactamente como as palmas das mãos dos outros homens. E sabes porque é que foi? Claro que não sabes e não admira porque muitos e muitos não sabem. Pois olha: foi para mostrar que o que os homens fazem, é apenas obra dos homens… Que o que os homens fazem, é feito por mãos iguais, mãos de pessoas que se tiverem juízo sabem que antes de serem qualquer outra coisa são homens. Deve ter sido a pensar assim que Ele fez com que as mãos dos pretos fossem iguais às mãos dos homens que dão graças a Deus por não serem pretos”.
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AS MÃOS DOS PRETOS LUIS BERNARDO HONWANA (literatura moçambicana)